“… deve existir uma parceria de confiança entre as comunidades humanas, ligadas por pactos que favoreçam a vida…, que favoreçam a dignidade dos membros da comunidade e a satisfação por se cuidarem mutuamente e da natureza como bem maior” Emilio Moran (2008)
Em especial a partir do final dos anos 1960, começamos a construir coletivamente uma nova forma de olhar nosso próprio planeta e as consequências de nossas ações sobre ele. Era um ponto sem volta. Gradativamente, as questões ambientais foram se associando e influenciando a forma como pensamos nossa economia, nossa cultura e, claro, nossas opções no plano político e social.
Compreender nossa responsabilidade sobre os diferentes tipos de desequilíbrios socioambientais é o primeiro passo na busca por mudanças e soluções. É comum colocamos nas mãos dos políticos, dos cientistas e da tecnologia nossas esperanças por um mundo mais equilibrado e, com isso, nos isentamos do processo. Apesar disso, nem sempre as soluções políticas e tecnológicas dão conta do recado da forma ou extensão que esperamos gerando frustração.
Apesar das grandes evoluções no conhecimento sobre as relações entre os sistemas naturais e as comunidades humanas, ainda estamos pouco conscientes de que tudo está interconectado de alguma forma e que, além de dependermos dos recursos providos pela natureza, dependemos uns dos outros.
SUSTENTABILIDADE E EDUCAÇÃO: UM BREVE HISTÓRICO
Um dos componentes chave na direção das mudanças que queremos ver no mundo é a Educação no seu sentido mais amplo (Educação Formal, Não-formal e Informal), uma vez que todos os espaços e relações são, de alguma forma, educadores.
Nas décadas de 1970 e 1980, reuniões encabeçadas pela ONU e UNESCO produziram diferentes documentos que abordaram — e abordam — muitos de nossos desafios no plano socioambiental, econômico, cultural e político. Vale frisar que todos eles, sem exceção, destacam o papel da Educação no enfrentamento desses desafios na busca por uma sociedade mais justa e sustentável.
No final de década de 1980, o Relatório Brundtland, chamado de “Nosso Futuro Comum”, formaliza uma ideia já insipiente em documentos anteriores e define formalmente um caminho a ser galgado: o “desenvolvimento sustentável”, que, brevemente, tem relação com um conjunto de processos que levam à “sustentabilidade”.
Apesar das críticas, do desgaste, das distorções e do mau uso do termo, a sustentabilidade passou a fazer parte da vida e do imaginário de muitos de nós. É raro encontrar uma grande corporação que não tenha uma página na internet sobre responsabilidade socioambiental e/ou sustentabilidade; ou mesmo uma pessoa que nunca tenha ouvido falar sobre o tema.
O desenvolvimento sustentável ganhou destaque durante a ECO-92, realizada no Rio de Janeiro. A Agenda 21 foi um dos principais resultados da ECO-92 e, em conjunto com o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, traçam diretrizes para a construção de uma sociedade mais sustentável, tendo como aliada fundamental as ações e os processos que acontecem no plano educacional.
Em 1996, o relatório da UNESCO intitulado Learning: the treasure within descreve os quatro pilares da educação do século XXI: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver junto e aprender a ser. Um quinto pilar foi adicionado fazendo referência especial ao desafio da sustentabilidade: aprender a transformar si mesmo e o mundo. (UNESCO, 2012)
Por fim, em 2005, a ONU e UNESCO consagram no plano mundial a união entre Educação e Sustentabilidade instituindo a Década das Nações Unidas de Educação para o Desenvolvimento Sustentável (DEDS, 2005–2014).
Foto: Green School, em Bali
Esse breve histórico mostra claramente que o trabalho com a sustentabilidade tem ganho força e adeptos no meio educacional. Países como Canadá, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia, entre outros, têm produzido experiências inovadoras na Educação Básica e Superior direcionadas pela ideia de uma sociedade mais justa e sustentável. Apesar das boas práticas já produzidas, pautar o ensino pelos preceitos da sustentabilidade não tem sido uma tarefa simples, especialmente se considerarmos a estrutura tradicional de ensino e avaliação que temos até hoje na maioria das escolas mundo afora. Mesmo assim, acreditamos que não é necessário começar uma escola do zero, ou seja, é possível desenvolver um excelente trabalho com sustentabilidade na escola se apropriando e adequando gradualmente muitas das metodologias presentes mesmo nas escolas mais tradicionais, como tem demonstrado nossa experiência nos últimos anos.
No Brasil, o MEC tem se dedicado, em especial a partir de 2007, à estruturação do “Programa Nacional Escolas Sustentáveis e COM-vidas”, que tem entre alguns de seus objetivos (BRASIL, 2013):
- Contribuir para que as escolas se tornem espaços educadores sustentáveis, considerados como espaços que realizam sua própria transformação, na intencionalidade de educar para a sustentabilidade.
- Inserir a Educação Ambiental como tema transversal em todos os níveis e modalidades de ensino.
- Facilitar a internalização das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental.
Essa iniciativa é importantíssima e segue a tendência mundial do trabalho com Educação e Sustentabilidade no Ensino Básico, porém, ela tem sido pensada respeitando todo o histórico de avanços e conquistas da Educação Ambiental no Brasil nas últimas décadas.
SUSTENTABILIDADE COMO PRÁTICA TRANSFORMADORA
Um dos principais objetivos de nós educadores é impactar positivamente a vida de nossos alunos e de nossas comunidades. A Educação e Sustentabilidade tem se mostrado para nós uma ferramenta poderosa para atingir esses objetivos.
O trabalho focado na sustentabilidade contempla diferentes níveis de atuação dos profissionais da educação em conjunto com todo o restante da comunidade escolar e do entorno. Repensar o espaço de forma coletiva e democrática envolve, obrigatoriamente, uma mudança na forma de ver a educação, a escola e seus relacionamentos, e isso envolve também uma nova forma de aprendizagem e, por que não, um novo currículo mais livre e cocriado.
Um dos caminhos é usar as “lentes da sustentabilidade” na escola. Através delas, procuramos enxergar as conexões, interações, impactos de nossas escolhas, processos e atividades, procurando sempre compreender as interrelações entre diferentes dimensões como a social, a econômica, a ambiental, a política, a territorial, a cultural, entre outras. É possível usar as lentes em tudo, desde o currículo ou conteúdo a ser trabalhado em sala, até uma compra ou processo administrativo.
Dentro dessa perspectiva, se as ações forem bem planejadas e conjuntamente construídas, elas colaboram não somente com a mudança do espaço, mas também com a formação diferenciada dos estudantes e de todos os envolvidos direta ou indiretamente. Dessa forma, estamos cuidando não somente da saúde da escola e dos processos de aprendizagem, mas também da saúde e da qualidade dos relacionamentos.
Do ponto de vista específico da (trans)formação do aluno, podemos destacar:
- Eles descobrem e desenvolvem todo seu potencial como cidadãos transformadores da realidade;
- compreendem melhor diferentes pontos de vista e o papel de diferentes atores;- passam a agir e pensar de forma mais complexa e coletiva;
- conectam o aprendizado a problemas e soluções reais;
- resignificam sua relação com o conhecimento, obtendo prazer no processo de aprendizagem ativa, etc.
- ampliam a compreensão sobre suas responsabilidades, etc.
SUSTENTABILIDADE, VALORES E ÉTICA
Sustentabilidade na escola traz colada as ideias de complexidade, participação e visão sistêmica. Essas, trazem à tona consigo uma nova ética fundada por valores humanos universais. Entre eles, gostaríamos de destacar o respeito, a solidariedade e a cooperação.
A palavra “respeito” tem origem no latim, que significa “olhar outra vez”. Ou seja, algo que merece um segundo olhar é algo digno de respeito. Quando falamos em sustentabilidade, não podemos deixar de falar em respeito: respeito com você mesmo, com as outras pessoas, e com tudo que nos cerca.
“Solidariedade” não é somente ajudar ao próximo, como muitos pensam ser. Ela está relacionada ao empenho e ação de cada um de nós para o bem comum, para o coletivo. Solidário é aquele que se interessa pelo outro, que tem empatia, que quer compartilhar seus conhecimentos e valores. Além disso, deve ser algo sincero e intrínseco dentro de nós, e não simplesmente para seguir o “politicamente correto” ou até mesmo como uma “obrigação social”.
De mãos dadas com a solidariedade e o respeito, está a “cooperação”. Ela vem de encontro ao modelo competitivo e individualista no qual estamos inseridos e que, infelizmente, ainda é estimulado por diferentes modelos, estratégias educacionais e comportamentos dentro da escola. Podemos comparar esses modelos a um jogo de tênis e de frescobol, dois esportes muito parecidos mas ao mesmo tempo antagônicos. No primeiro, para que um jogador ganhe, o outro necessariamente precisa perder. No segundo, é exatamente o contrário: para que os jogadores tenham sucesso, ambos precisam colaborar um com o jogo do outro. Precisamos de mais jogadores de frescobol nas escolas, incluindo não somente os alunos, mas também pais, professores, coordenadores e diretores.
Como disse Mandela, “a escola é uma poderosa arma para mudar o mundo”. Pela nossa experiência, a Educação e Sustentabilidade é capaz de criar processos que colocam “a escola no mundo e o mundo na escola”, empoderando nossos alunos a serem verdadeiros agentes de transformação socioambiental.
Por tudo isso — e muito mais — temos considerado a sustentabilidade mais que um conceito ou uma ideia que veio para ficar. Ela pode ser vista como um valor em si na busca da paz pessoal, coletiva e ambiental. Apesar de todos os desafios, acreditamos que esse é o caminho a seguir.
BIBLIOGRAFIA:
MORAN, E. F. Nós e a natureza: uma introdução às relações homem-ambiente. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2008.
BRASIL. Programa Nacional Escolas Sustentáveis. MEC/SECADI/DPEDHUC/CGEA, 2013. Disponível em https://cursosdh.files.wordpress.com/2013/10/programa-nacional-escolas-sustentc3a1veis-28-10-2013.pdf
UNESCO. Education for Sustainable Development Toolkit. №4. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0021/002163/216383e.pdf
Artigo escrito e publicado originalmente por Edson Grandisoli e Livia Ribeiro para a edição 125 da Revista Direcional Educador.
Comentarios