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  • Edson Grandisoli

O que é Educação Climática?




O professor Edson Grandisoli revela que é urgente abrir espaço para a pauta socioambiental nas escolas e na formação das novas gerações.


As tragédias ocorridas no Litoral Norte de São Paulo deixam ainda mais desafiadora a tarefa de escrever esse texto. Falar em Educação Climática frente à urgência dos fatos, da perda de vidas e da constatação do aumento das desigualdades nos últimos anos, parece cada vez mais importante considerando a perda de espaço e importância da pauta socioambiental na agenda nacional, incluindo a da Educação Básica.


A Base Nacional Comum Curricular é apenas uma evidência de um movimento que já se estende há alguns anos. O termo mudança climática, por exemplo, aparece citado somente três vezes ao longo das 600 páginas do documento, e não está diretamente associado a nenhuma habilidade a ser desenvolvida ao longo de toda a escolaridade básica, tornando, portanto, a temática nada evidente e propositiva.


Apesar disso, os movimentos em torno da questão climática têm cada vez mais mobilizado as juventudes. O protagonismo juvenil parece ser um dos caminhos mais promissores no sentido de pressionar governos, empresas e demais atores a reverem sua estrutura básica de funcionamento apoiada em uma economia carbônica, essencialmente competitiva e excludente. Nessa direção, vale a pena conhecer e reconhecer o papel do “Manifesto Jovens pela Educação Climática“, organizado pelo The Climate Reality Project.


Apesar dos discursos ainda se apoiarem na garantia da vida às gerações futuras, as gerações presentes já enfrentam de forma crônica os efeitos da mudança do clima, em especial, aquelas em maior situação de vulnerabilidade. Ou seja, os eventos extremos que causam sofrimento a determinada parcela mais excluída das sociedades deixam claro o quadro atual de injustiça climática. Como afirmou o pesquisador da USP, Pedro Henrique Campello Torres, “a Justiça Climática por aqui, precisa ser também uma luta por mais democracia, contra a necropolítica, uma luta humanitária em que os impactos afetam diretamente a vida cotidiana das populações negras e periféricas – bem com as populações tradicionais.”



Note que a diversidade de termos e temas tratados até aqui, em apenas quatro parágrafos, refletem a complexidade do desafio. Falar em mudanças climáticas depende de interdisciplinaridade e um olhar sistêmico para diferentes dimensões, e não somente a ambiental.


Dessa forma, a Educação Climática deve garantir muito além da simples compreensão dos processos físicos e seus desdobramentos ambientais associados ao aumento da temperatura média do planeta. É preciso criar a noção que a mudança climática é uma questão social e, portanto, deve estar conectada ao que somos, pensamos e fazemos nas diferentes esferas das sociedades.


Sendo assim, olhar esse fenômeno socioambiental global pelas lentes da educação parece fundamental para informar, formar, empoderar e engajar para a ação climática. Esse movimento pode ser capitaneado pelas escolas e demais instituições de ensino, trazendo para o diálogo e para o debate atores historicamente excluídos, e que não por acaso, são os mais afetados pelos eventos extremos e seus impactos sobre a saúde, moradia, segurança, economia, entre outros.


Ou seja, o enfrentamento da crise climática não depende unicamente de um protagonismo individual ou institucionalizado. Claro, ambos são válidos, mas o protagonismo coletivo e colaborativo pautado em valores solidários e inclusivos ressignifica as instituições, bem como o sentido da Educação como um todo. Uma Educação que transforma a vida de toda a comunidade por meio da construção de novos conhecimentos contextualizados e significativos.


A Educação Climática deve ter em sua essência o espírito democrático e inclusivo na busca por justiça climática e garantia das liberdades individuais. E isso depende de compreendermos não somente nosso papel individual, mas como todos e todas se tornam corresponsáveis no enfrentamento desse desafio.


 

Como a Educação Climática dialoga com o trabalho das instituições de ensino básico?



A fase mais importante no desenvolvimento humano é a primeira infância (de 0 a 6 anos). É fundamental criar conexões afetivas e de encantamento com a natureza desde muito cedo. Isso pode ser feito dentro e, idealmente, fora da escola. Como somos predominantemente urbanos, esse vínculo precisa ser nutrido e cultivado de forma contínua, pois a falta de natureza no nosso dia a dia nos desconecta dela e também daquilo que somos em essência, seres vivos.


Hortas agroecológicas, caminhadas em parques, plantio de árvores, ações de reflorestamento, registros da vida na própria escola são caminhos que nos permitem vivenciar, cuidar, observar, experimentar, explorar, significar e criar vínculos permanentes com o mundo natural. Estes certamente permitirão, ao longo da escolaridade da vida, compreender que as agressões a ele são também agressões aos nossos valores mais básicos de respeito e preservação da vida.


No ensino fundamental anos iniciais (6 a 10 anos, aproximadamente), as experiências devem se manter, se multiplicar e se complexificar. Passar da vivência e observação para a análise e questionamento é uma experiência fundamental para a construção inicial de um olhar mais relacional e de causas e consequências para diferentes realidades e desafios. Ampliar as possibilidades de criação e ação despertam nossas fortalezas e habilidades pessoais no enfrentamento de desafios coletivos.


A partir do ensino fundamental anos finais e Ensino Médio (11 a 18 anos), o aumento do conteúdo e a disciplinarização devem ser vistas como aliados na criação de experiências investigativas e mais imersivas e reflexivas, levando em conta a contribuição da Ciência e de outras áreas do conhecimento, bem como o contexto da comunidade. A partir da compreensão da complexidade busca-se caminhos para a realização de ações climáticas.


Já existem muitas iniciativas que podem ajudar a inspirar e engajar para a ação climática nas escolas. Uma delas é o Movimento Escolas pelo Clima, criado em 2020, que é uma comunidade de práticas que visa estimular a ação climática nas escolas por meio de formações especializadas, conteúdos selecionados, trocas de experiências entre educadores e eventos com especialistas. Atualmente, o Movimento Escolas pelo Clima já possui cerca de 1000 escolas signatárias em todas as regiões do Brasil e Portugal. As atividades acontecem de forma remota e basta fazer gratuitamente sua inscrição no site reconectta.com/escolaspeloclima.


As mudanças climáticas trazem a urgência de formarmos pessoas com uma visão de mundo mais integrada e integral, e que conheçam não somente seus direitos, mas seus deveres no enfrentamento das mudanças do clima, envolvendo diferentes atores em um diálogo construtivo e agindo na esfera política na busca por mudanças mais estruturais.


As escolas talvez sejam as primeiras, e uma das mais fundamentais instituições nessa direção. Entretanto, não é sensato acreditar que ela pode dar conta sozinha desse desafio. Um passo que parece cada vez mais importante é que as escolas e educadores se unam nessa jornada e, com isso, ganhem força na direção de influenciarem políticas públicas educacionais e gerar transformação social, um dos seus objetivos mais centrais frente aos desafios do planeta.


Artigo publicado originalmente na plataforma Ciclo Vivo em 06-03-2023, disponível no link: https://ciclovivo.com.br/planeta/meio-ambiente/o-que-e-educacao-climatica/ 




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